Dar forma à dor: o poder dos rituais no processo de luto
- Thálita Borges
- 6 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de ago.

A morte nos atravessa como uma ruptura. Mesmo quando esperada, ela interrompe a rotina, desorganiza os afetos e silencia partes de nós que nem sabíamos que existiam. Em um mundo onde tudo parece girar em torno de seguir em frente rapidamente, vivenciar o luto com profundidade pode parecer um ato fora do tempo. Mas, para a psicologia junguiana, o luto não é uma fraqueza a ser superada — é um processo simbólico, necessário, e profundamente humano.
Ao longo da história, diferentes culturas criaram rituais para a morte e o luto, como formas de dar significado à perda e sustentar a travessia. Hoje, muitas vezes, nos vemos sem esses marcos simbólicos. Mas nosso inconsciente continua buscando formas de expressar e transformar a dor. Neste artigo, vamos refletir sobre o poder dos rituais no processo de luto, sob a ótica da psicologia analítica, e como eles podem ajudar a dar forma à dor para seguir adiante com mais inteireza.
O luto como processo simbólico
Na visão junguiana, a psique não se expressa apenas por meio da razão — ela se comunica por imagens, sonhos, sensações, símbolos. Quando perdemos alguém, não sofremos apenas pela ausência física, mas também pelo vínculo afetivo, pela identidade compartilhada, pelas partes de nós que se vão com aquela pessoa.
O luto, portanto, é uma jornada interna, na qual o inconsciente nos convida a reorganizar a vida psíquica diante da ausência. É uma travessia que exige tempo, cuidado e espaço para sentir — mesmo quando tudo à nossa volta insiste em apressar ou silenciar esse processo.
E é nesse contexto que os rituais ganham importância. Eles são formas simbólicas de marcar o que foi perdido, dar corpo à dor, e, ao mesmo tempo, abrir espaço para a continuação da vida — não como era antes, mas como pode ser agora, depois da perda.

O papel dos rituais no luto
Rituais são ações simbólicas que ajudam a organizar o que é, muitas vezes, caótico e sem nome. Eles criam uma moldura para sentimentos que não cabem apenas nas palavras. Na psicologia junguiana, entendemos que os rituais funcionam como pontes entre o consciente e o inconsciente, dando contorno às emoções e oferecendo sentido ao que parece sem sentido.
Exemplos práticos de rituais que auxiliam no processo de luto:
Escrever uma carta para quem partiu, expressando o que ficou por dizer.
Criar um espaço simbólico em casa, com objetos que remetem à memória da pessoa.
Plantar uma árvore ou flor em homenagem, como símbolo de continuidade e transformação.
Fazer um desenho, colagem ou bordado, transformando a dor em imagem e expressão.
Acender uma vela ou realizar um momento de silêncio intencional, como forma de conexão interior.
Nenhum desses gestos “resolve” o luto — mas eles o acolhem, o reconhecem, e ajudam a psique a seguir elaborando o que foi vivido.
Na prática clínica, muitos pacientes relatam alívio e clareza emocional após realizar um ritual significativo. É como se, ao dar forma externa à dor interna, algo pudesse se mover e transformar.
O que está em jogo quando negamos o luto?
Ignorar o luto, tentar silenciar a dor ou seguir em frente como se nada tivesse acontecido pode levar a um acúmulo psíquico. O sofrimento não vivido muitas vezes retorna como sintomas: ansiedade, apatia, insônia, tristeza crônica, ou até mesmo uma sensação persistente de “estar perdido(a)”.
A psicologia junguiana nos convida a viver o luto como uma travessia simbólica. Isso significa escutar os sentimentos que emergem, acolher as imagens que surgem nos sonhos, e permitir que, aos poucos, o vínculo com quem partiu se transforme — de uma presença física para uma presença interna, simbólica e amorosa.
Seguir adiante não é esquecer. É integrar. É permitir que o amor e a memória se transformem em algo que segue conosco, em outra forma.
Se você está vivenciando um processo de luto, aqui vão algumas sugestões práticas:
Dê espaço ao que sente, sem pressa. Sentir é parte da cura.
Crie ou resgate rituais significativos. Mesmo simples, eles podem ser transformadores.
Busque escuta terapêutica. O luto merece ser acompanhado com sensibilidade e presença.
Observe seus sonhos e expressões criativas. Eles são mensagens do inconsciente e podem revelar sentidos profundos.
Quer um espaço de escuta para seu luto?
Se você sente que precisa de um tempo para olhar com mais cuidado para a sua dor e encontrar formas de atravessar esse momento com apoio e respeito, a psicoterapia pode ser esse espaço.
A dor pode ser imensa, mas não precisa ser solitária. Estou aqui para te acompanhar.