As perdas invisíveis da expatriação: quando sentimos algo que não sabemos explicar
- Thálita Borges
- há 6 dias
- 3 min de leitura

Mudar de país pode parecer, à primeira vista, um sonho realizado: novas oportunidades, um novo começo, a chance de viver o que antes era apenas desejo. Mas, à medida que a rotina se instala e o entusiasmo inicial dá lugar ao silêncio dos dias comuns, sentimentos inesperados começam a surgir.
Tristeza sem causa aparente, sensação de vazio, cansaço emocional, saudade de coisas que nem sabíamos que eram importantes. Tudo parece "estar bem", mas, por dentro, algo se perde. É aí que surgem as perdas invisíveis da expatriação — aquelas que não são ditas, que não aparecem nas fotos, mas que fazem parte da experiência emocional de quem vive longe de casa.
Neste artigo, vamos explorar essas perdas silenciosas sob o olhar da psicologia junguiana, entendendo como o processo de expatriação mobiliza emoções profundas, e como a psicoterapia pode ajudar a nomear, elaborar e integrar essas vivências.
O que são as perdas invisíveis da expatriação?
Quando deixamos nosso país de origem, não deixamos para trás apenas lugares e pessoas. Levamos conosco uma bagagem emocional cheia de identidades, pertencimentos e símbolos que, aos poucos, se desfazem ou se transformam.
Essas perdas muitas vezes não são reconhecidas — nem por quem vive o processo, nem por quem está ao redor. Por isso são chamadas de perdas invisíveis.
Exemplos de perdas sutis, mas impactantes:
A perda da língua materna como canal natural de expressão emocional.
A perda do sentido de pertencimento ao grupo, à cultura, ao cotidiano.
A perda de referências familiares e culturais que sustentavam sua identidade.
A perda do olhar do outro que reconhecia quem você era "sem precisar explicar".
A perda de rituais e espaços simbólicos, como os cheiros, sons e tradições do lugar de origem.
Essas perdas podem gerar sintomas como ansiedade, tristeza, sensação de estar “deslocado” ou até mesmo uma espécie de luto — mesmo que não tenha havido uma morte literal. É o luto pelo que foi deixado, pelo que não pode mais ser vivido da mesma forma.

O olhar junguiano: o que a alma sente, mesmo que a mente não entenda
Na psicologia junguiana, compreendemos que as experiências externas afetam profundamente o mundo interno. Quando mudamos de cultura, mudamos também de referência simbólica. A alma sente falta daquilo que dava forma à sua expressão mais espontânea.
A adaptação à nova realidade exige uma reorganização psíquica. Muitas vezes, essa adaptação passa por uma crise de identidade: “Quem sou eu, agora que não sou mais o que era lá? ”Como me reconheço em um lugar onde ninguém me conhece?”
Essas perguntas são legítimas e revelam um movimento de transformação profunda. A expatriação pode ser vista como um rito de passagem, um processo de transição simbólica no qual antigas estruturas se rompem, e novas ainda estão sendo construídas.
Na prática clínica, é comum que pessoas em processo de expatriação busquem terapia não apenas por tristeza ou ansiedade, mas por uma sensação persistente de desconexão ou desorientação interna, que nem sempre sabem nomear.
Como dar sentido às perdas invisíveis?
Nomear é o primeiro passo para transformar. E, para isso, é necessário um espaço de escuta sensível e profundo. A psicoterapia, especialmente na abordagem junguiana, oferece esse espaço — onde os sentimentos podem ser acolhidos sem julgamento, e as imagens internas podem ganhar forma por meio da fala, da arte, dos sonhos, dos símbolos.
A proposta não é "resolver" a dor, mas compreendê-la como parte de um processo maior de transformação e amadurecimento psíquico.
Algumas práticas que podem ajudar nesse processo:
Crie rituais pessoais que conectem você com suas raízes (como cozinhar uma comida típica, ouvir músicas do seu país ou escrever em sua língua).
Acompanhe seus sonhos, que costumam trazer símbolos importantes de transição e adaptação.
Permita-se viver a saudade, sem pressa de se "adaptar perfeitamente".
Busque terapia como um espaço seguro para elaborar suas experiências e reconstruir sentidos.
As perdas invisíveis da expatriação são reais — mesmo quando ninguém mais as vê. E só começam a se transformar quando são reconhecidas. Se você sente que carrega uma dor difícil de explicar desde que mudou de país, saiba que isso faz parte da travessia. Você não está só, e seu sofrimento tem sentido.
A psicoterapia pode ser um caminho de escuta, reconexão e reintegração da sua história.
É possível seguir adiante sem deixar para trás o que te constitui.